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Stellar e o Feminismo



Desde os primórdios da minha era como fã de K-Pop, eu já tinha a consciência de que procurar por ícones feministas ali era furada. A indústria da música é uma exploração constante de mulheres e não vai ser num país altamente conservador de sistema controlador que vai ser diferente. No entanto, eu não tinha plena consciência do perigo que é exaltar grupos com conceito sexy e igualar a uma demonstração de direitos iguais.


Todo mundo é assim, quando começa a descobrir que mulheres podem ser sexuais e demonstrar seus desejos abertamente. Quando você descobre que a menina que usa short curto não é uma vagabunda desesperada por atenção e que a Hyuna rebolar a bunda em Bubble Pop não tá rebaixando a imagem dela, você começa a enxergar através de uma das camadas primárias do machismo: o slutshaming. Pra quem não é familiar com o termo, ele se trata de denegrir mulheres que mostram o seu corpo e falam abertamente de prazer e sexualidade. É fazer essas mulheres — slut vem de vadia, que já é um termo problemático por si só — se envergonharem por mostrarem seus corpos. No momento que você se toca que essas coisas todas são balela e que mulheres tem o direito de explorar a sexualidade da maneira que quiserem, os girlgroups sensuais tomam numa luz nova na sua cabeça, mais positiva. De admiração, até.


Aí a gente te para aí, porque na prática, isso significa pouquíssima coisa no que tange a liberdade de escolha feminina.


A ideia pra esse artigo veio, inclusive, de uma lista que eu vi no Twitter, com MVs que usam e abusam do conceito sexy, falando sobre como elas "sambam na cara dos netizens". Entre os clipes escolhidos, tinha Red da previamente mencionada Hyuna, o que achei pertinente. Apesar das estratégias de publicidade questionáveis, a Cube sempre deu uma maior liberdade artística pros grupos. A Hyuna se sente mais confortável com o conceito atual e já deixou isso claro inúmeras vezes. Citando as palavras da artista:


“Eu acho que as pessoas conhecem melhor aquilo no que elas são boas. O que elas podem mostrar com energia. Eu não tenho confiança para me portar com inocência ou fofura (no palco). Tem vários outros idols melhores nisso. Mostrar algo com confiança e muita preparação soa mais natural. [...] Sexy é algo que eu consigo fazer melhor. Eu gosto de mostrar uma sensualidade saudável." Fonte


Não é nenhum brado de "meu corpo, minhas regras", mas a mensagem é clara: Ela não se sente confortável fazendo aegyo e sacodindo pirulitos em roupas de colegial. É algo que funciona pra ela, é algo que ela faz com orgulho e confiança, por vontade própria (palavra-chave: própria) e pra mostrar aos fãs algo no qual ela é boa. E ela tá seguindo uma rota perigosa: a Coreia do Sul é um país extremamente conservador e qualquer demonstração sexual aberta causa o choque geral da nação. O que ela faz pode, sim, se classificar como "sambar na cara dos netizens".


(Apesar de eu pessoalmente achar que essa expressão tem que ser banida em 2017.)


"A bunda do macaco é vermelha / Vermelho é Hyuna, Hyuna é yeah"

ou, um quote mais honesto

"Uma dançarina de matar, eu sou uma assassina no palco / Minha confiança vai até o céu"



O que fez um ponto de interrogação gigante surgir na minha cabeça foi quando mencionaram o MV que fez o grupo Stellar ganhar mais reconhecimento: Marionette. Aí eu parei, respirei fundo e pensei não, isso não é verdade. Não vou entrar em detalhes da carreira do grupo desde o debut (pra isso vamos ter o Love Talk, mas sem spoilers), mas dá uma lida no que a Jeonyul falou sobre como era a carreira delas antes do "sucesso" de Marionette:


Nós não tínhamos dinheiro para a passagem e estávamos numa situação ao ponto de termos que dividir uma porção única entre nós quatro. Tiveram várias ocasiões tristes. Uma vez, nós usamos a sala de ensaios de uma equipe de coreógrafos famosa também estava usando. Mas se nós chegássemos cedo e esperássemos, eles nos olhavam feio. Mas na época não tínhamos dinheiro para esperar em uma lanchonete ou em algum outro lugar. Fonte


Quando o entrevistador perguntou se esse foi o motivo delas terem escolhido o conceito pesadamente erótico, Minhee e Gayoung concordaram:



Minhee: A gente precisava fazer tudo que pudesse. Não estávamos em uma posição que nos permitia pensar no que viria a seguir. O sucesso de Marionette ia determinar a existência ou o fim do grupo.


Gayoung: Pra ser honesta, não achávamos que éramos sexy. Até nossa empresa se perguntou se combinaria conosco. Mas conforme fomos praticando, percebemos que podíamos ser [sexy]. [...] Três das nossas membros fizeram balé então quando vimos as roupas, pensamos "oh, parecem collants".


Minhee: Nosso clipe em especial foi bem erótico. Nós nem sabíamos que ia ser erótico dessa forma. O roteiro simplesmente dizia "deite na cama e depois sente", "derrame leite enquanto bebe como se pensando em alguém". Ficamos chocadas quando descobrimos as referências depois, só depois de termos lido os comentários que recebemos. Acho que você pode dizer que fomos inocentes.


Gente, isso é sério, saiu da boca delas. Deram um ultimato pras gurias: vocês vão ter que chocar, em níveis extremos, pra continuar existindo. E vocês já devem saber que não precisa de muito pra chocar a Coréia.


A carreira delas começou a andar quando elas cederam à pressões externas e erotizaram a própria imagem, coisa que não era a intenção original delas. Coisa que não era o que elas queriam pra carreira delas. É uma situação completamente oposta a da Hyuna, que sempre soube o que quis e, querendo os haters ou não, sempre fez sucesso por isso. O público masculino — falando em termos gerais, porque a demanda pela dualidade sexy/fofo sempre teve como objetivo atrair fãs homens — só olha pra Stellar quando elas expõem seus corpos. Esse padrão tá longe de "sambar na cara dos netizens" e não é, de jeito nenhum, uma vitória para a causa feminista.


"Você não me conhecia, você nem me olhava / Você nem me dirigia o olhar / Na máscara que eu fiz conforme você queria / Eu não estou ali, é só uma mentira"


Muito pelo contrário. Mask, de Stellar, lançado depois de Marionette, tinha na letra os motivos pelos quais elas optaram pelo conceito extremamente sexy. Foi uma mensagem que elas quiseram passar sobre o desespero delas, o quanto elas almejavam a atenção do público pra sobreviver e finalmente mostrar sua verdadeira identidade como cantoras, mas não se arrependiam porque no final o grupo continuou existindo. Lançar Mask foi um ato de coragem.


E flopou. Foi mal promovido, ignorado pelo público geral, e deixou as meninas com uma certeza em mente: elas não teriam a atenção do público sem se subjugar a sexualização.


(Aconteceu a mesma coisa quando Crying saiu depois de Sting e Vibrato, mas essa é história pra outro dia.)


Toda vez que eu vejo essas meninas sendo usadas como um exemplo de mulheres independentes que exploram seu lado sexual e aumentam as rugas dos machistas ao redor do mundo, me dá um aperto no coração porque eu queria muito que isso fosse verdade.


Porém, diferente da Hyuna, elas não rebolam até o chão porque elas sentem que esse é o melhor tipo de imagem que podem mostrar confiantemente. Stellar tá na rota do conceito sexy porque não tem outro jeito delas continuarem existindo. Elas tão entre a cruz e a espada — os mesmos caras que fazem elas se submeter ao conceito são os caras que metem o pau nelas quando elas fazem as coisas intencionalmente.


Uma coisa pra apreciar: O jeito que elas botam referências a hipocrisia dos internautas e da sociedade no geral em pequenos detalhes dos seus MVs contraditórios.


Mesmo com isso, Stellar não é uma vitória pro feminismo. No máximo, são um dos motivos pelos quais ainda precisamos do movimento.


(E também são as meninas mais fofas e hilárias do mundo que definitivamente merecem seu apoio!)

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