top of page

O que a gente ganha fazendo caça às bruxas?



Em pleno 2017 é impossível dizer que você nunca ouviu, nesse mundo internético, a palavra "problemático". Seja aquele ator hollywoodiano que vive tomando papel de minorias em filmes ou aquele K-Idol que adora uma piada racista, você provavelmente tem, ou já teve, um favorito problemático. E é provável que você também já tenha visto (ou feito) o que eu chamo de ativismo de caça às bruxas: fãs de artistas/obras problemáticos levando esporro em rede social seja direta ou indiretamente (o Tumblr é mestre em apontação de dedo, "OLHA LÁ O LIXO HUMANO QUE STANNEIA HOMOFÓBICO!").


Sejamos bem claros aqui: vivemos em uma sociedade ainda tão racista, misógina, homofóbica, gordofóbica e intolerante que dizer que as pessoas estão erradas em apontar erros e injustiças é pura babaquice. Não tem nada de errado em apontar as falhas no sistema. Pelo contrário, é justamente dando voz aos que sofrem com isso e ouvindo tintin por tintin o que tem de errado que a gente vai conseguir mudar alguma coisa. Isso não é física quântica nem mimimi de politicamente correto, é fato. Então aqueles que são os primeiros a dizer "putz, isso é racista pacaraio" geralmente têm razão. Vamo combinar, né, tem babaquice que já existia quando eu entrei no K-Pop em 2010 e continua aí até hoje. Bater na mesma tecla pode parecer repetitivo mas é necessário quando ainda tem gente que não aprendeu.


Beleza, estabelecemos que apontar o dedo pra cuzão e dizer "ei, isso é cuzice" é válido. Mas qual o limite disso? Quando isso deixa de ser benéfico e passa a ser esporte pra ver quem é melhor nos 100 metros rasos do ódio?


Eu aprendi muito com a chamada callout culture, que é essa cultura atual de apontar tudo o que está errado - de preferência na cara da pessoa. Sendo branca classe média, eu não entendia por que o pessoal achava tão preocupante aquele grupo brincar sobre "saber imitar negros" sendo que era "uma brincadeira". Uma pessoa que eu seguia há um bom tempo já no Twitter me mandou uma reply que eu nunca esqueci: "mesmo sendo brincadeira, se tem gente se ofendendo, é ofensivo mesmo que pra você não seja." (Ok, eu talvez tenha esquecido as palavras exatas dela, mas o sentido geral é esse). Desde então, eu passei por um período de desconstrução que envolveu entender que o mundo não gira ao redor do meu umbigo. I know, shocking. Minha compaixão aumentou e minha percepção do mundo também mudou; se não me diz respeito, quem sou eu pra dizer que as pessoas estão erradas em se sentirem ofendidas? Eu não vivi o que elas viveram. Eu não passei pelo que elas passaram. O melhor que eu posso fazer é respeitar e dar espaço pra elas vocalizarem isso.


Mas desde então, nos últimos três anos, a call-out culture passou de uma coisa construtiva pra uma coisa que eu às vezes acho que beira a auto-destruição. Virou aquela coisa da escola que depois que alguém descobre que o coleguinha tem piolho, ele vira o piolhento pelo resto da vida escolar dele. Não importa que ele tirou os piolhos, raspou a cabeça, virou estagiário da Apple aos 22; quando dois colegas de classe forem comentar dele, vai provavelmente começar com "lembra do Piolhento? O cara subiu na vida, acredita?". Não basta o guri passar anos ouvindo gente xingando ele, rindo na cara dele, bloqueando o caminho dele no corredor, ele provavelmente vai crescer sendo lembrado como O Piolhento. Quem liga se os amigos dele nunca tiveram piolho? Eles tão sentados do lado dele, provavelmente pegaram ou vão pegar piolho dele mais cedo ou mais tarde.


Claro que essa comparação é idiota porque ter piolho não é a mesma coisa que "se fantasiar de negro" achando isso a coisa mais hilária do mundo, tem um abismo entre seu cabelo e seu caráter. O ponto aqui é que, teoricamente, um erro não faz de você uma pessoa horrível pelo resto da sua vida. Não é porque você ajudou no bullying com aquela colega gorda na quinta série que você é hoje o lixo humano mais desprezível a andar nessa terra. Não é porque você já encheu o peito pra criticar as funkeiras na adolescência que hoje seu feminismo é falho. Você provavelmente cresceu, amadureceu, aprendeu. Todo mundo tá aprendendo, gente. Sabe aquela letra do Legião Urbana que diz "você culpa seus pais por tudo, isso é um absurdo, são crianças como você - o que você vai ser quando você crescer"? Pois é. Ele não tá sendo extremamente poético. Todo mundo tá em constante crescimento e aprendizado. É pra isso que serve boa parte dos "ei, mano, essa piada foi racista". Não é pra carimbar um RACISTA INVETERADO na testa da pessoa e jogar tomate nela pelo resto da vida. É pra que elx aprenda que aquilo é errado e puta merda que bosta foi essa que cê disse mano, repete isso não, blz?


Pisada na bola pode estragar tudo? Mas claro que sim. Eu já larguei meu fandom principal de cinco anos que tinha consumido minha vida diária (e umas boas centenas de reais do meu bolso) porque era merda atrás de merda. O líder do grupo era um imbecil que quando errava só batia o pé no chão e fazia bico do tipo "aff, vocês que são burros e não me entendem!". E os manés que seguiam ele em tudo simplesmente sorriam e acenavam e elogiavam ele até o fim dos dias. Isso, pra mim, não é querer aprender - isso é insistir no erro, se achar maior e melhor do que quem tá te dizendo pra melhorar. Esse foi meu limite. Tem gente que não aguenta mais que uma pisada na bola, e tudo bem! Cada um tem o seu limite, e cabe a você decidir o que você tá disposto a ver/ouvir antes de dizer "ok, talvez eu esteja melhor sem essa coisa na minha vida". Errar é humano, persistir no erro é burrice e discutir com quem tá tentando te dar um toque é pura ignorância. Se a pessoa não tá disposta a admitir o erro e tentar melhorar, por que você devia gastar sua energia com ela?

"nada contra gays até tenho amigos que são," declarou o artista para ninguém porque ele se recusou a comentar a polêmica envolvendo suas letras.


O sistema e a sociedade permitem que a pessoa persista no erro sem culpa, até porque tamos aí todo dia dando Oscar a assediador, elegendo racista e dando dinheiro pra homem que bate na mulher, né verdade? Então eu entendo perfeitamente a raiva de uns que leva a uma vida resumida em apontar dedos e desejar fim de carreira alheia. Eles fazem o que querem e continuam aí lucrando e subindo na vida, por que a gente devia medir as palavras pra falar dessa galera? Chamar a atenção e se fazer ouvir nesses casos é muito importante. É só se fazendo ouvir que alguma coisa pode começar a mudar - que é o que a gente vê às vezes no K-Pop, quando ídolo se desculpa por atitude idiota e promete melhorar. Por mais que seja discurso pronto, é sinal de que nossos gritos foram altos o suficiente para serem ouvidos. E isso já é sensa. É o primeiro passo!


Mas daí a associar o maior símbolo da supremacia branca misógina atualmente com um grupo feminino de K-Pop já é dar um passo maior que a perna. MAMAMOO tem errado bastante nos últimos meses, desde o MV com um beijo forçado, passando pelo blackface no show, até o MV com apropriação da cultura indiana. Ninguém nega isso, e pelo pouco que eu acompanhei do fandom nas duas primeiras tretas, ninguém tava perdoando elas. Pelo contrário, vi fãs antigos tirando um tempo do grupo porque tinha sido simplesmente demais pra eles. Não dá pra desculpar essas atitudes do grupo como desconhecimento, inocência, nem nada do gênero porque a Coreia do Sul não vive mais em uma bolha - vamos lembrar que a internet deles é a mais rápida do mundo? E que eles têm uma escolaridade que supera os níveis internacionais? Só não aprende quem não quer por lá, por mais protecionistas e nacionalistas que eles sejam. Mas quando que isso vira desculpa pra ficar perseguindo os fãs delas (Moomoos) e torcendo pelo disband do grupo?


Acho que isso puxa bem pro debate educar vs punir. O que é mais certo, educar quem erra e dar chance pra pessoa amadurecer ou punir no primeiro erro e não dar mais chance? Sua resposta vai depender da sua posição e do modo como você vê o mundo. Não acho que exista uma resposta 100% certa. Provavelmente foi a cultura de dar mais uma chance que levou a gente a esse ponto em que homem branco faz o que quiser e continua faturando *cofJohnnyDeppcof*. Mas daí será que não entra em jogo a questão do sexismo e do racismo? Será que é justo ter a mesma atitude com homem branco e com mulher asiática? Fica aí aberto o questionamento. Pessoalmente, não acredito que dê pra aplicar uma fórmula geral a tudo. Cada caso é um caso, literalmente. Pode ser favoritismo meu, pode ser algo que eu aprenda a repensar no futuro, mas não consigo colocar uma balança na minha frente e pesar os erros do MAMAMOO com os do Trump, por exemplo. É distante demais, é uma coisa absurda de diferente. Não consigo nem fazer uma analogia com isso, de tão bizarro.


Verdade seja dita, talvez essa Balança Da Inquisição tenha me afastado da vida em fandom. Pra quem vivia imersa em fandom atrás de fandom uns anos atrás, hoje eu estou um pé atrás com os poucos fandoms em que me envolvo. Não dá pra levar a sério uma discusão intra-fandom quando as pessoas estão tão determinadas a simplesmente atacar. Só isso. Só ataque. Sem debate, sem evolução, sem nada. É só aquela coisa de ver uma postagem na sua dashboard e sentir vontade de reblogar pra contradizer a pessoa. Sem nenhuma incitação ou motivação interior: você só quer atacar e lembrar que, com licença, mas você é um lixo por gostar disso e espero que todos os seus amigos sintam vergonha de estarem associados a você. Foi o que aconteceu quando comentei sobre aquela série, The Handmaid's Tale, dizendo que uma personagem lá era a personificação do "mulher que apóia ideia machista dá tiro no próprio pé" e veio uma moça responder que a protagonista não era obrigada a ter sororidade com essa personagem. E eu concordo. (Eu passei a temporada toda esperando a June dar um tabefe na cara da Serena, honestafuckingmente.) Só que essa moça falhou em perceber que em momento nenhum eu tinha mencionado a protagonista ou defendido a personagem - ela tava criticando uma parte do meu comentário que nem existia. Porque a gente já tá acostumado a ler as coisas hoje procurando coisa pra criticar. Você já vê um MV procurando a parte problemática e/ou ruim, o que resulta naquela coisa cansativa e bizarra que é a seção de comentários no Youtube.


a última coisa que eu tô é do lado da psicopata da serena, amiga. abaixa essas pedras :(


É criticando e apontando os erros que a gente segue em frente. Mas se a gente for jogar todo mundo que fizer cagada na fogueira, vai sobrar quem pra acender o fogo? Cá entre nós, todo mundo já errou. TODO MUNDO. Se você me disser que seus pais/guardiões nunca fizeram um comentário babaca/racista/xenófobo/homofóbico na sua vida, eu vou dizer que você tá mentindo. Você talvez já tenha sido cuzão um dia (eu já fui, várias vezes, e me sinto culpada até hoje), você talvez já tenha usado uma fantasia de carnaval que te colocaria como manchete mais acessada do AllKpop (lembra das festinhas da escola em que você se vestia de índio?), mas eu não te desejo uma carreira falida. Não vou responder todo tweet seu com "pede demissão logo". Não vou no Instagram dos seus amigos constranger eles por ainda serem seu amigos. É esse limite que eu digo quando questiono a validade do ativismo caça às bruxas. Da mesma forma que defender o oppar e a unnir é se iludir achando que isso mostra seu amor inabalável, ficar cuspindo veneno em tudo que um grupo e seus fãs fazem é se iludir achando que você tá mais certo que os outros.


Dica: não tá.


Existe força em tomar atitude, assim como existe fraqueza em subir no seu banquinho da justiça e apontar dedo lá de cima. Critique, questione, debata, grite e se faça ouvir, sempre. Só não espere que a mudança vai ser feita com seus tweets sobre como a única solução pra alguém com atitude babaca é sumir com ele da face da Terra. Tem outros grupos políticos que acham isso, que a solução pra pessoa problema é sumir com ela da face da Terra. E, não é por nada não, mas eu não ia querer ser associada às ideologias deles.





pra finalizar, minha postagem favorita no inferno azul chamado tumblr:

"*entra no cômodo através de uma cortina de miçangas, um copo de limonada nas mãos*

ei.....

nada do que você vai ler, assistir ou tomar parte vai ser ideologicamente puro e sem problemas. sua busca pelo material mais não-problemático para uso próprio será, no fim das contas, inútil. sua capacidade de aproveitar as coisas vai se esgotar, te transformando em uma casca oca sedenta por conteúdos midiáticos.

tudo bem gostar de coisas com problemas, contanto que você faça isso de forma crítica e com uma mente aberta, e se lembre de levar os outros em consideração.

*vou embora por onde entrei*"

Comments


Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Nenhum tag.
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page